Porque as habilidades socioemocionais são tão importantes

Estudo aponta desempenho melhor dos alunos que passam por aprendizado dessas competências

As escolas brasileiras terão de incluir as habilidades socioemocionais nos seus currículos, a partir de 2020, conforme prevê a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Projetos como o Guia da Base – Competências Gerais e iniciativas como a do Porvir destacam a importância da aplicação dessas habilidades em sala de aula. Mas faltava um estudo que mostrasse o avanço dos alunos a partir desse aprendizado. Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) aponta que alunos expostos a um aprendizado que inclui o desenvolvimento das competências socioemocionais apresentam um comportamento melhor e possuem mais autocontrole.

Durante um ano, os pesquisadores acompanharam um grupo de 9,6 mil estudantes entre 10 e 17 anos. A partir do material desenvolvido pelo Programa Semente, o estudo mapeou o avanço nos níveis de autocontrole, empatia e perseverança desses alunos. Os alunos que participaram do programa tiveram resultados melhores em todos os domínios avaliados depois de um ano. Os números apontam um aumento de 6,7% na melhora do comportamento desses alunos e, entre as mudanças positivas com a implementação do projeto, também estão um aumento de 2,3% na Empatia Cognitiva Emocional e até 13,9% no Autocontrole dos estudantes.

Cristina Tempesta é diretora das escolas Progresso e Anglo Taquaral, em Campinas, e Polo, em Indaiatuba, no interior de São Paulo e aplicou o programa de aprendizagem socioemocional como uma disciplina para o Ensino Fundamental II e ensino transversal a todas as matérias para o Ensino Fundamental I. Os professores fazem formação presencial na instituição, onde são capacitados para levar e intermediar as reflexões dentro da sala de aula. “Não é como dar um conselho para as crianças, os alunos são convidados a se posicionarem sobre situações que podem gerar conflitos e dúvidas”, define.

A educação socioemocional também está relacionada com a aprendizagem de conteúdos tradicionais. “Muitas escolas perceberam que essas habilidades são tão importantes quanto os rankings e as matérias convencionais, já que uma pessoa sem empatia e autoconhecimento dificilmente terá sucesso. Não são temas contrários, são complementares”, afirma Eduardo Calbucci, professor e diretor do Programa Semente. Eduardo ainda ressalta que essas habilidades não são inatas, como o senso comum pode levar a pensar. “As pessoas podem aprender a respeitar a diversidade”, exemplifica.

Domínios avaliados e efeitos práticos
As análises do estudo da UFRJ foram realizadas separadamente para meninos e meninas, bem como para alunos do 6º ao 9º ano, e a diferença entre os gêneros não foi relevante ao final da pesquisa, mas foi a única que mostrou pontuações superiores para as meninas no início da aprendizagem socioemocional. “O único critério com essa diferença foi a empatia cognitiva-emocional”, diz Eduardo Calbucci. Antes do Programa Semente, as meninas apresentavam um desenvolvimento maior que os meninos, de 9,65 pontos, de acordo com a pesquisa. Eduardo defende que, nos processos de socialização, as meninas são educadas a exprimirem mais suas emoções e os meninos, não, o que explica essa distorção no começo dos estudos. “Mas os meninos vão superando essa diferença com o tempo de participação no programa”, afirma.

Some-se a isso um ambiente escolar mais livre de conflitos. “Cada sujeito é capaz de perceber se está cansado, desanimado e quais são seus compromissos diante dessa realidade. Os alunos estão mais predispostos a identificar tudo isso e concluem que essas dificuldades não mobilizam suas obrigações”, afirma a diretora, ressaltando que muitos problemas são superáveis por meio do diálogo interno e externo. Outra percepção positiva de Cristina após a aplicação do programa é o acolhimento de novos alunos, que ficou mais natural e confortável para os novatos. “Os alunos se identificam com os novos porque lembram que já passaram por isso. Ser acolhido em um ambiente é muito importante para todos”, diz.

Os números da pesquisa da UFRJ enfatizam essa experiência da diretora das escolas no interior de São Paulo. Autoconhecimento e as Habilidades Sociais registraram os maiores níveis de melhora entre os alunos ao final da pesquisa, com aumento de 13,5% e 7,2%, respectivamente. Nos próximos anos, os alunos continuarão sendo avaliados e Eduardo Calbucci ressalta a importância de se produzir dados sobre habilidades socioemocionais na educação, uma vez que eles ainda são escassos no país.

“Estudamos tudo aquilo de maior impacto nessa área, mas ainda buscamos referências fora do Brasil”, conclui. Cristina se mostra animada para continuar a aplicação do Programa Semente nas suas escolas e lembra o que um aluno disse assim que descobriu que teria aulas sobre habilidades socioemocionais: “Agora vou aprender a dizer o que eu sinto do lado de dentro”. Por meio do material de apoio do projeto, foi possível “educar para a diversidade”, define a diretora.

Fonte: Nova Escola, disponível em https://novaescola.org.br/conteudo/11796/habilidades-socioemocionais-sao-tao-importantes-quanto-os-rankings